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O que é a Psicanálise e com o que trabalhamos

Por: Andreneide Dantas

Palestra proferida para grupo de Educadores que participaram do projeto Psicanálise para Educadores
28 de março de 2008

 

Falar de psicanálise nos tempos atuais é contar com um recurso fundamental descoberto e inventado por um psicanalista que tinha como formação primeira, a de ser um homem da ciência, médico neurologista, que percebeu que os sintomas e as doenças que seus pacientes tinham não pertenciam ao âmbito do corporal, portanto, do biológico. Esse homem é o Dr. Sigmund Freud, médico austríaco que nos idos de 1899 (1900) escutou através dos relatos de seus pacientes que o sofrimento que eles sentiam, transcendiam ao biológico, estavam ligados ao psíquico, ao discurso que eles apresentavam, sem saber o que diziam.

 

Depois da descoberta de Freud a humanidade não foi mais a mesma, pois a partir desse momento houve um abalo em seu ser, onde todos souberam que o eu de cada um, “não era mais senhor em sua própria moradia”. Onde cada um descobriu que não era dono de toda situação sobre sua vida, já que haviam escolhas que estavam relacionadas não com sua consciência e sim com o seu inconsciente.

 

Um Outro fala além de mim? Existe um Outro em mim? Não sou dono de todas as minhas escolhas? Existe algo que não entendo em relação ao meu sofrimento?

 

Foram algumas das formulações feitas. Formulações essas, que abalaram o rigor e o narcisismo de alguns, provocou entusiasmo naqueles que descobriram que podiam curar-se, e rechaço em outros que não queriam ver nem ouvir o que a psicanálise tinha a dizer. Esses sentimentos são atuais ainda hoje.

 

Esse Outro que “habita” em cada indivíduo recebeu o nome de inconsciente.

 

O conceito de inconsciente já existia antes de Freud, ele pertence à filosofia. Mas, é também verdade que o termo inconsciente depois de Freud, nunca mais fora o mesmo. O inconsciente do qual estamos falando é o reservatório das marcas e palavras recebidas e ouvidas daqueles que se ocuparam do pequeno ser falante.

 

Ele é o representante de tudo que corresponde à história do sujeito: sua família, seus ancestrais, os costumes familiares, a religião, a situação de vida, e principalmente os sintomas. Sintomas esses, que são transmitidos de geração a geração.

 

Quando uma criança nasce ela traz em seu corpo a herança genética com seus traços e DNA característico, e também traz uma outra herança. A herança discursiva, “herança de comportamentos”, como dizem alguns pacientes. Esses costumes e comportamentos podem ser sadios e outros tantos podem ser esquisitos, estranhos, dolorosos e até perversos.

 

Foi escutando suas pacientes sofredoras que Freud descobriu que além das palavras que elas proferiam algo a mais era revelado. Esse algo “a mais” era a verdade inconsciente de cada um. E através dessa escuta apurada, desse desejo dele em escutar, o inconsciente foi se mostrando e se demonstrando.

 

E nesse ponto não dava mais para deixar de ver e escutar que um esquecimento não era à toa, pois não era somente uma falha de memória; que um lapso não era somente um equívoco da comunicação; que os sonhos tinham significado e que o sintoma por mais estranho e desprazeroso que fosse, cumpria uma função. A função de comunicar uma verdade singular de cada um, uma verdade inconsciente.

 

O sintoma e qualquer que seja ele, representa a verdade do sujeito. Mesmo que isso se apresente na forma de um enigma. E se seguirmos essa linha de raciocínio, saberemos que não podemos extirpá-lo, arrancá-lo como se fosse um tumor, e sim devemos descobrir o que ele representa, o que ele significa para o sujeito.

 

O tratamento psicanalítico não é à base de medicamentos, relaxamentos ou sugestões, é um tratamento feito com palavras. E assim como os pacientes de Freud, os nossos pacientes através do que relatam sobre seu sofrimento encontram o sentido que existe por trás do que lhes acontece. Pois através da fala, o discurso inconsciente vai se revelando. Esse mesmo inconsciente que é fruto ou “caldeirão” de todos os temperos e destemperos familiares.

 

Á medida que vão falando, em cada discurso aparecem as marcas, os traços, os segredos, as esquisitices de cada família. Traços estes que são, desde o nome recebido a palavras escutadas, que podem ter sido tanto de amor e carinho, quanto de comparações, carregadas de agressividade e até de ódio.

 

Dessa forma vai se delineando, se revelando em análise, o significado do sintoma, que é o que o sujeito tem de mais particular, “a forma como cada um goza de seu inconsciente”, como formulou um outro psicanalista, chamado Jacques Lacan.

 

O sintoma é o saldo totalizado da conta do gozo de cada um, junto com os significantes recebidos do Outro. Ele representa a cadeia simbólica de significantes que se repetem e que muitas vezes é confundido com o destino, como aprendemos com Freud.

 

Nosso corpo não responde somente as leis biológicas, ele responde a linguagem. E a linguagem tem leis próprias que são chamadas de condensação e deslocamento. Essas leis não são as leis da razão, as da consciência, são leis que podem se apresentar como contraditórias, sem nexo sob o olhar do discurso corrente. Mas elas mantêm uma relação e um sentido que somente cada um pode dizer qual é, quando o descobrem em sua análise.

 

Sabemos que a linguagem é comum a todos, porém existe uma linguagem que é particular a cada sujeito, para essa linguagem Lacan deu o nome de alíngua (lalíngua) que é a produção particular de cada sujeito. E cada sujeito quando criança precisa fazer um trabalho com a língua para ter acesso ao sentido, ao sentido de sua vida. E para que isso ocorra será preciso que um Outro se ocupe dela quando ela nasce.

 

O corpo tal qual a criança tem quando nasce, é um corpo real que responde ao orgânico, porém, é necessário que cada um faça uma construção desse corpo no imaginário e no simbólico “Temos que habitar esse corpo, torná-lo nosso” (Lacan). E isso será possível através do que o Outro cuidador fez, se ele libidinizou ou não, esse corpo. Por isso as primeiras experiências que a criança tem com um outro cuidador são fundamentais. A experiência do prazer e do desprazer marcará o sujeito para sempre e ele irá consequentemente repeti-la em suas experiências.

 

A função do educador e de quem cuida da criança, fora da instituição familiar é fundamental para seu desenvolvimento sadio.

 

É verdade que ele não terá consciência disso, já que essas experiências sofrem o efeito da repressão. Elas ficarão recalcadas, “apagadas” da consciência, mas, no inconsciente continuarão vivas. E será a responsável pelas repetições que cada um fará ao longo de sua vida. Repetições que são chamadas pelos outros discursos como destino, fatalidade, carma ou azar, dependendo de suas crenças.

 

Se por um lado o sintoma é a verdade do sujeito, por outro ele não é claro, por isso muitas pessoas não sabem o que fazer com ele. É algo que incomoda, porém, é “mais forte que o sujeito”. É mais forte que o Eu da pessoa, mais forte que sua vontade.

 

Freud chamou o sintoma de formação de compromisso, compromisso que a pessoa elabora entre sua problemática inconsciente e suas defesas, ele é o retorno do que foi reprimido.

 

E se o sintoma faz o sujeito sofrer, por que ele tem dificuldade de renunciar a isso?

 

Ora, porque – como disse antes – ele é uma solução de compromisso que se inscreveu no processo de constituição do sujeito. É como se fosse a marca que o identifica, sua assinatura. Sendo assim, é difícil que alguém abra mão disso, “sob pena de se separar de uma parte dele mesmo” (Lacan).

 

Por não saber que o sintoma é o resultado de um conflito inconsciente, os pacientes recorrem a ciência na tentativa de se livrarem do mal-estar. Muitas vezes não encontram o que procuram, pois o discurso da ciência “não escuta o corpo que fala”.

 

O lugar e o tempo para onde o sofrimento psíquico deve ser endereçado é o do dispositivo psicanalítico. Lugar onde ele terá a experiência, através de seu relato, de decifrar a mensagem enigmática de seu sintoma. Através da escuta do analista, haverá para o paciente a reatualização do seu passado que emperra o seu caminhar. E na análise cada um descobrirá os significantes que marcaram sua história, suas escolhas, seu modo de amar e de gozar.

 

Descobrirão que eram pequenos seres indefesos ao nascerem, sob os cuidados e julgo do Outro que o recebeu, nomeou, cuidou e falou com ele. E diante da indefensão de ter nascido prematuro, já que em relação aos outros mamíferos, não sabe andar, falar ou se virar sozinho quando nasce, a criança precisará contar com o desejo do outro para ser alimentado, cuidado e amado.

 

Sendo através desses cuidados que o corpo biológico se humanizará. E vai depender da qualidade e condições de amor e de gozo do Outro, que a criança aprenderá a se relacionar com os seus semelhantes.

 

Na análise, através de um recurso chamado transferência, que será marcado com o selo da transferência de amor e de saber, o paciente trará para o presente suas primeiras relações amorosas, suas experiências com o Outro. De relato em relato, aparecerão cenas, lembranças, palavras escutadas, significantes que o terão marcados em seu cerne, que terão sexualizado seu corpo e também o marcado como brasa na pele.

 

Através do falar sobre o tempo cotidiano, aparecerão as lembranças que estavam trancafiadas no inconsciente, guardados no “fundo da alma”. Assim, descobrirão que todo sofrimento tem um significado, uma verdade. Verdade essa que é particular a cada um.

 

Decifrando seu sintoma descobrirão as causas de seu sofrer, o porquê das repetições desprazerosas, da ansiedade, das brigas, das rupturas de laços familiares, conjugais, de amizade ou até de trabalho.

 

Os benefícios vão sendo acrescidos à medida que eles vão se apoderando de um saber que estava cifrado. E se antes o sintoma era um parasita que sugava o sujeito, depois pode ser transformado em um aliado. (Quinet) Pois o saber sobre sua verdade, faz com que cada um saiba o que os diferencia dos demais, sabendo do que goza e de como goza de seu inconsciente, o paciente poderá fazer escolhas mais acertadas.

 

Na análise, os pacientes produzem novos significantes, a partir do relato que pertencem a instância do eu, o sujeito pode acessar o sujeito que tem relação com a dimensão inconsciente de cada um.

 

E se no começo eles chegam na posição de objetos, acreditando que são vítimas da família, do azar ou do destino, depois acedem a posição de sujeitos. Sujeito de seu desejo, sujeitos de suas escolhas, responsáveis por seus atos e por sua vida.