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Divertida/mente

Por: Ana Carlênia Oliveira Bastos

O filme da Pixar explica de forma lúdica e criativa o papel das emoções e das memórias na formação psíquica e na personalidade de Riley, uma pré-adolescente de onze anos, mostrando de dentro para fora o trabalho das emoções para encontrar um equilíbrio frente às adversidades que a vida impõe.

Abordando temas psicanalíticos como sonhos, inconsciente, luto e o papel da tristeza como emoção básica necessária na constituição do sujeito.

O nascimento de Riley se dá pelo desejo e alegria de seus pais. Sabemos que quando os pais possuem desejos de alegria e amor, que são relatados muitas vezes antes de sua concepção, faz diferença na vida de cada sujeito que nasceu, porque foi desejado por outro, para o bem ou para o mal. No caso de Riley, foi desejada e recebida com alegria pelos pais (a sala de controle dentro do cérebro da menina é comandada primeiramente pela alegria).

As outras emoções vão chegando sem muita demora, a alegria passa a ter a companhia da tristeza, da raiva, do medo e o “nojo”. Emoções que são a base que possibilita a menina compreender a si mesma e aos outros. Assim ela vive seus onze anos em relativo conforto emocional (pais, casa, escola, amigos). As emoções intercalam-se, ora no controle, ora como pano de fundo.

Tudo vai bem até a mudança da família para outra cidade (casa velha, escola nova, sem amigos, professor diferente, não pratica mais esporte).

Para Riley, ficou difícil enfrentar essa nova realidade (castração frente à impossibilidade de fazer o que quer/limite imposto). Dentro do cérebro na sala de controle as emoções não conseguem lidar com a avalanche de sentimentos, em busca de equilíbrio, todos querem ficar no controle, a tristeza é afastada pela alegria, a raiva estando no controle, Riley briga com o pai. O medo do futuro a deixa insegura, começa a duvidar de sua capacidade no esporte que tanto gosta (fato comum quando o sujeito perde a “estabilidade” de um futuro planejado, próprio da neurose nossa de cada dia. O novo passa a ser temido ou rechaçado).

A tristeza começa a nublar as lembranças de momentos felizes, para a garota é “como se” não tivesse boas lembranças (luto que se faz necessário, mesmo que nublando temporariamente os momentos felizes do passado com saudade e nostalgia).

A alegria corre e retira a tristeza dessas memórias, acreditando que faz bem a menina sentir felicidade todo o tempo. Nessa luta, as duas se perdem em outras áreas do cérebro, lá elas encontram o Bing Bong, amigo imaginário da infância da garota que agora na sua pré-adolescência não lembra mais dele. Visto que com a passagem do complexo de Édipo seu interesse por um amigo imaginário passou a ser o interesse por um menino real, um sentimento platônico que está guardado nas memórias .

Bing Bong se encontra triste por não ser lembrado, a tristeza chega perto e o abraça, fala que entende o que ele está sentindo, o elefante sente conforto nesse abraço com a tristeza. A alegria nada pôde fazer nesse momento e fica apenas observando (às vezes precisamos por alguns instantes abraçar a tristeza para seguirmos em frente e enfrentar os problemas).

Nesse caminho pelo cérebro, elas embarcam no trem do sonho (bem freudiano), lá encontram cenas diversas sendo representadas por personagens, os sonhos possuem conteúdos diurnos e recalcados (ex: o medo que a dominou em sala de aula mais cedo, representado com exagero no sonho).

Em outros momentos, as duas entram no inconsciente escuro e estranho a elas, que mesmo morando no cérebro não possuíam conhecimento dessa área.

Com as frustrações de Riley aumentando, as ilhas também vão se desintegrando.

A alegria e a tristeza juntas buscam uma saída, nesse meio tempo a menina pensa em fugir de casa, voltar a cidade e a vida que tinha antes. A alegria volta a sala de controle e a menina desiste de fugir e volta para casa, lá encontra seus pais e finalmente fala sobre seus sentimentos, seus pais também não estão felizes, mas buscam se adaptar à nova situação. Mesmo triste, Riley sente conforto e proteção, a ilha da família se estrutura novamente.

A alegria entendeu que é preciso sentir tristeza, falta, passar pela perda, fazer o luto para depois seguir em frente. Deixar a tristeza controlar um pouco.

Nessa busca incansável pela satisfação plena, na crença que tudo é possível, não existindo lugar para a solidão ou a tristeza como furo estrutural do sujeito, é uma alegria encontrar um filme para crianças pequenas que fale sobre as emoções, dando lugar e importância a todas elas.