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8 de março – Dia da Mulher

Por: Susana Palacios

Trabalho apresentado na Rádio Tropical 830AM – Rio de Janeiro

Que hoje seja o dia “da mulher” é todo um tema. Por que um dia dela? Por que um dia a parte? Não há um dia do homem. Serão deles os restantes 364 dias do ano?

Por outra parte, como não existe a possibilidade lógica para nomear “A Mulher” só podemos falar das mulheres em plural. Como só existe o homem como universal da espécie e é impossível construir logicamente o universal da mulher deveríamos referir-nos a este dia como dia das mulheres.

É certo que os tempos têm mudado. Há hoje inquestionáveis conquistas obtidas pelas mulheres em sua luta por defenderem sua condição de cidadã, seja pela igualdade de direitos, seja pela caída dessa separação absoluta e absurda que existia entre a vida pública reservada aos homens e a vida privada,que só incluía as mulheres, ficando, deste jeito, para o homem o mundo e para as mulheres a casa, para a mulher os filhos, e para o homem a profissão. Ao homem o poder e à mulher o amor. Para nossa sorte, esta segregação já não forma parte de nosso tempo nem de nossa sociedade.

É um fato que as mulheres de hoje somos as menos excluídas da história. A inclusão no âmbito social e público, no mundo do trabalho e da política, da arte e da economia tem anulado a antiga equivalência que fazia da mulher um sinônimo de mãe e esposa seja de homem ou de Deus.Uma pergunta, porém, é necessária: Agora que já não são as mulheres exclusivamente mães e esposas, que outras figuras de mulher são possíveis? São por isso as mulheres, de hoje mais mulheres que as de antes?

Se houve sempre mulheres, embora submetidas ou segregadas, uma pergunta impõe-se: o que é ser uma mulher?Esta é a pergunta que as mulheres contemporâneas não podem deixar de fazer-se já que têm a possibilidade de escolher. É por isto que se falou e falamos do enigma de feminilidade ou do “eterno feminino”.À falta de poder dizer o que é uma mulher (uma e não “A Mulher” que não existe), a psicanálise pode dizer quais são os caminhos que possibilitam que uma menina se transforme numa mulher.A experiência analítica desde Freud é o único espaço aberto para que cada uma possa encontrar sua própria resposta, seus obstáculos e suas novas possibilidades. Se bem temos conquistado muito terreno, e como não há ganho sem perda,hoje se excluem dos discursos, portanto dos laços sociais, o reconhecimento da diferença sexual. Cada vez mais o amor tem deixado de ser um refúgio e a família um espaço de contenção. Embora por experiência saibamos que nem um nem a outra sejam refúgios ideais, sabemos que nos podem possibilitar construir uma fenda dentro deste sistema capitalista e individualista que rechaça o amor isolando-nos cada vez mais dos outros.

São muitos os que atribuem à independência feminina os fracassos dos casais e assim correlacionam o aumento de separações e divórcios à atividade profissional das mulheres.

Nestes tempos em que a técnica o permite e o discurso jurídico com as leis de adoção o autoriza, por termos passado do sexo sem gravidez a gravidez sem sexo, é enorme a tentação nas mulheres de prescindir do parceiro para só se satisfazer com o filho. Acreditar que os pais não servem para nada é uma crença delirante que pode ser irreversível para a humanidade. A mediação paterna não só é necessária para as crianças, mas também é fundamental para as mães. A ausência de sua função é que provoca a angústia de “devoração” nas crianças assim como a alienação absoluta da mãe num gozo centrado em seus filhos, como seu único objeto encarnando assim um Outro absoluto para eles. A esta vontade de gozo bem a podemos chamar de mãe crocodilo que canibalisticamente devora ao filho e ao mesmo tempo internamente à mulher que há nela. É verdade, as mulheres não são o que eram. Então, até onde os as mudanças produzidas modificaram os desejos e os gozos femininos? As imagens e símbolos da mulher têm mudado: nem as amazonas gregas, nem as místicas, nem as feiticeiras, nem as virgens da idade média, tampouco as mulheres fatais hollywoodianas. Hoje impera a imagem da top-model. Atualmente vivemos numa legitimação do sexo. A satisfação sexual desligada da procriação e dos pactos de amor é o que cada um pode reivindicar formando parte dos direitos dos sujeitos pos-modernos. O que antes era íntimo passou a ser público e os juízes ouvem dia após dia nas audiências de divórcio como os parceiros reivindicam seus orgasmos demandando que opere a justiça distributiva. Hoje a antiga categoria infame de mãe solteira e filho bastardo é obsoleta pela dissociação entre matrimônio e maternidade. É importante ver-nos que o que progride não implica só acumulação de ganhos. A extensão do unisex transfere o que antes era uma sintomatologia própria dos homens para as mulheres que hoje sofrem de outros sintomas, de outras angústias e de outras inibições. Quando as tarefas e os atributos deixaram de ser claramente distribuídos emerge para as mulheres, como vemos diariamente em nossos consultórios, uma tensão inédita entre o chamado êxito profissional e a vida afetiva ou o amor.

A possibilidade de escolher, de suspender determinadas eleições como ter ou não filhos, casar-se ou não, trabalhar ou não, pressionam as mulheres de tal forma que adoecem. Não deixa de ter conseqüências funestas para ambos os sexos estar sob o jugo do dever de gozar. Se bem é certo que a “dor de cotovelo” como mal de amores existe desde sempre, nosso tempo tem radicalizado o mal entendido entre os parceiros pelo exílio nos gozos individuais, que fazem cada vez mais difícil a experiência amorosa, que, ao invés do que a ideologia consumista apregoa, implica “dar o que não se tem”. Estamos na época da feminilização do mundo, cada vez mais as mulheres decidem e dirigem e é necessário que isto se acrescente já que é verdadeiramente uma experiência de civilização. Em todos os âmbitos, deveria ser favorecida esta tendência, já que será a partir desta modificação que poderá surgir algo novo. Nossa civilização precisa reconhecer que não estamos feitos, por sermos falantes, para o gozo absoluto, ninguém poderá alcançar com o parceiro seu complemento ou viver em plena harmonia. Acreditar no delírio de totalidade e de ganhos sem limites tem acrescentado a violência tal como hoje se apresenta em nossa cultura, nos casais, nas famílias, nas ruas, nas escolas etc. Por tudo isto, a experiência de uma análise como espaço de revisão e de elaboração de saber permite comover certezas suportadas em coordenadas fantasmáticas e assim modificar o pior que se repete e insiste sem detenção.

Outra das características de nossa época é a vitimização. Estamos vivendo a época das vítimas, seja do meio ambiente, do cigarro, do assédio sexual, do estresse ou do pânico. Mas reduzir os sujeitos a serem vítimas jamais foi, nem será o melhor. Neste sentido uma mulher espancada não só é uma vítima. O que lhe acontece não deixa de ter relação com seu fantasma e conhecê-lo não é pouca coisa, já que ele insiste repetindo o mesmo script ou caindo no mesmo roteiro com qualquer parceiro.

Precisamos reconhecer que o inimigo não é nunca uma pura exterioridade. Ele nos habita e nos espanca numa interioridade submetida aos imperativos do que Freud chamou o Super-Eu, que é um dos nomes da pulsão de morte. Não é possível julgar a cena “batem numa mulher” indiferentemente do modo em que cada uma chegou a “isso”. Se bem não se trata de culpar a ninguém, trata-se de responsabilizar. Se não fosse pela responsabilidade de cada uma no que se faz fazer, cada mulher daria um basta o um limite rapidamente a estes parceiros, que são seu estrago e sua devastação. A psicanálise ensina-nos diariamente que o sintoma é para cada um o suporte de sua vida, algo cuja falta faria vão o universo. Neste sentido e voltando à violência contra as mulheres não alcança ir somente queixar-se na delegacia seria muito mais proveitoso procurar a um psicanalista. Não podemos continuar acrescentando a babaquice generalizada que vítima e reduz os modos de gozar a uma mera questão de cama ou de poder. O que digo não deixa de reconhecer que, pelas lutas feministas, a violência dos homens deixou de significar virilidade ou direito consuetudinário do machismo para significar um delito. Para terminar com estas considerações é importante que reconheçamos que nem a feminilidade, nem a masculinidade são dados naturais, Nenhum deles responde à diferença anatômica mais sim a diferentes posições do sujeito. Há eleição do sexo e há eleição do objeto, o que depende da posição que o sujeito toma no mundo simbólico.

Disto dá conta a céu aberto a homossexualidade, o transexualismo e a posição feminina de alguns místicos. Estas escolhas nada devem à informação sexual, como tampouco à educação que não tem cacife sobre o inconsciente. É no seio da família onde se dirime tanto estas escolhas quanto as condições do amor. Falar, e é o que fazemos por sermos humanos, priva-nos de todo instinto de copulação. Não há relação sexual (que possa escrever-se) mais há relação com o sexo.

Não há encontro entre os sexos, há mal entendido. Como não-todo é possível para todos, cada um obtém de seu encontro com o outro, o prazer e o sofrimento que suas eleições de gozo lhe impõem.